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Kamilla Oliveira Debona
Kamilla Oliveira Debona

O isolamento trouxe consigo os ventos áridos e irreconhecíveis para quem sempre viveu exposto aos raios de um sol ameno; como uma tempestade de areia que varre e enterra lugares e gentes, sem critérios.

Deixando a quem fica as incertezas de novos dias, de encontros, do futuro que sempre nos dizem ser o motivo de nos motivarmos a fazer e a viver em sua função, mas que nunca chega. Assim, seguimos em peregrinação pelo deserto sem contato, sem rumo, em busca de um oásis que só se apresenta na forma de uma miragem.

Um vendaval que isolou corpos das almas que seguiam vivas. Vivas? Será que ter um coração pulsando significa estar repleto de ânimo ou de consciência para seguir o esquema preestabelecido, que prega que o sucesso, e o reconhecimento estão pautados nos esforços incansáveis por se tornar um ser limitado ao ofício, a substituição inquestionável do ser ao ter: um status, uma casa, uma vida regada de gozos e desgostos alheios?

Muitos vivem em uma quarentena, que já não se estende aos 40 dias de vigília, mas a vários anos de suas vidas, em meio ao deserto bipolar, o que se pode encontrar é um tesouro perdido: sua essência.

Assim, percebe-se que o isolamento que nem cogitávamos enfrentar – é o do reino interno, a diáspora declarada entre o ego e o alter ego, separados por vários muros cristalizados e reforçados pela normalidade acolhida.

Vivemos em redomas invisíveis que nos sufocam e nos impedem de buscar ou viver do jeito que quando crianças, ou adolescentes desejamos.

Talvez nessa época, apenas vivíamos livres das amarras da juventude, ou da vida adulta: do pensar, agir, falar, seguir, gostar, clicar, produzir, evoluir, entregar, sorrir, não se entregar às graças e “ao luxo” de fazermos o que realmente queremos.

Contudo, atualmente, parece que até as crianças, compulsoriamente, passaram a viver em campânulas.

Várias barreiras foram erguidas há séculos, nas suas mais diversas disposições, como: o racismo estrutural, a transfobia, a homofobia, o machismo. Não as reconhecemos sempre a olho nu, assim como o vírus, o que não significa que não se espalha e expurga suas vítimas.

Não ser visto, reconhecido, dado como louco por não se conformar em viver isolado em nome do mesmo sistema, que lhe fez de cobaia, para o teste que busca um parâmetro que trace quantas redomas são necessárias para enlouquecer e sufocar uma pessoa.

Geralmente, chega-se ao diagnóstico distópico, que se resume ao rótulo de: “mimizento”.

A pandemia despertou vários monstros internos, como: a raiva, o ódio, o medo. Porém, os monstros não se limitam a essas figuras. Alguns, se permissíveis, trazem as forças para demolirmos alguns muros íntimos tombados como patrimônios intrínsecos, trazendo uma percepção diferente do tempo e do mundo.

Não quero que o normal volte, nem o novo normal que nos apresentam por aí, quero cultivar uma nova visão de vida. O normal preestabelecido, pautado no “time is money” – tempo é dinheiro, não me cativa, pois, o ordinário adornado está longe dos parâmetros que considero serem capazes de nutrirem minha alma, minha paz. O tempo pode ser aquilo que você escolhe.

É, de certa forma, o normal que nos deixa tão incomodados com o fato de não cumprirmos com todas as atividades, que nos fez esquecer que não somos máquinas, que nem sempre sorrimos, saímos ou brindamos, já que também sofremos, choramos ou até mesmo surtarmos. Mas, talvez, surtar mesmo seja querer que tudo volte à normalidade. Eu não quero, e você?

Fiz as pazes com a certeza que sempre me perseguia: o passado e o presente não se desfazem, permanecem, e nos constroem, o futuro é apenas inexistente.

Sinto que o ano já começou, pode ser que não seja o que definem ser o 2021. O meu ano já se iniciou. Não crie mais uma redoma pautada em datas, viva no seu tempo.

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