Em decisão liminar, a Justiça Federal do Rio de Janeiro proibiu o governo federal de “praticar qualquer ato institucional atentatório à dignidade do professor Paulo Freire”, considerado Patrono da Educação Brasileira e que, se estivesse vivo, completaria 100 anos hoje, dia 19 de setembro. Os ataques do atual governo ao nome e ao legado de Freire já estavam presentes em seu vexatório plano de governo, em 2018 e, desde então, os absurdos e as mentiras sobre sua pedagogia e estudos só cresceram. Na última semana, por todo o mundo, aconteceram eventos, congressos e celebrações em homenagem ao centenário de nascimento do aclamado autor de Pedagogia do Oprimido – livro lançado em 1968 e traduzido para mais de 40 idiomas – considerado a principal referência mundial para o entendimento e a prática de uma pedagogia libertadora. O documentário “Paulo Freire – um homem do mundo” está disponível, gratuitamente, no site do Sesc TV.
Eu já escrevi, em colunas passadas, essa frase: eu acredito no cinema.
Decidi escrever novamente porque, nos últimos dias, eu tenho pensado muito sobre como é necessário e absolutamente importante nos agarrarmos a todos os meios que estejam disponíveis e que nos permitam alguma expansão – seja do nosso conhecimento, da nossa criatividade, de nossa capacidade lúdica. Porém, não digo isso para afirmar que tudo o que está acontecendo ao nosso redor – a pandemia (que não acabou), o preço do feijão, as ameaças de golpe às instituições, o aumento da conta de luz – não devam receber a devida atenção e também grande parte da nossa preocupação. Pelo contrário: enquanto cidadãos – e mencionei isso com bastante ênfase no texto de semana passada, sobre o filme Central do Brasil – é importante acompanharmos os desdobramentos político-sociais em nosso país. Porém, o que quero lembrar é que o nosso cansaço, frustração, alienação e desesperança são resultados de um projeto de país que nos quer voltados para o trabalho alienado e o descanso escapista e, por mais difícil que seja, reservar momentos para leitura, para assistir filmes, para o entretenimento edificante e, até mesmo, para uma reflexão solitária e madura sobre tudo o que nos cerca são atos fortificadores e agentes de muita mudança – mesmo que a mudança seja somente interna e pessoal.
Assistindo ao documentário sobre a vida e a obra de Paulo Freire, me emocionei muitíssimo em muitas passagens. Gostaria de citar o trecho que relata como e por que foi encerrado o projeto educador de Freire na cidade de Angicos, no interior do Rio Grande do Norte. Em 1963, essa pequena cidade da zona rural tinha 75% de sua população analfabeta e foi escolhida para receber professores voluntários para, em uma carga horária de 40 horas apenas, alfabetizar aqueles entre a população que quisessem aprender a ler e a escrever. O projeto foi bem sucedido do ponto de vista educacional: com apenas três aulas, muitos alunos saíram de lá sabendo assinar o próprio nome e conseguindo ler e escrever palavras comuns de seu vocabulário cotidiano.
Porém, alguns meses depois de iniciado o projeto, Paulo Freire foi preso e os moradores proibidos de retornarem para a casa simples que abrigava as aulas noturnas e gratuitas de alfabetização.
E não somente isso: a população foi ameaçada com a falsa informação de que os professores eram comunistas e obrigada a queimar todos os seus cadernos e folhas com tudo o que tinha sido estudado e aprendido durante as aulas. As palavras aprendidas durante as aulas eram as palavras mais usadas pelos alunos: feira, tijolo, povo, casa, cozinha, rede. E as discussões dos círculos culturais, que aconteciam antes das aulas, giravam em torno dos direitos constitucionais da população e da importância do voto.
Viva Paulo Freire! Viva sua pedagogia que brotou da sua própria infância – de dificuldade e escassez -, de sua juventude, estudando como bolsista em uma escola que só recebia alunos da classe alta de Recife, de sua prática educadora que parte da necessidade e da identidade daquele que está aprendendo. Em tempos de barbárie, como são, infelizmente, esses que estamos vivendo, seu nome, sua história e sua contribuição para a humanidade devem ser ainda mais lembrados e tornados presentes e vicejantes na sociedade.
Como alfabetizados que somos e tendo a oportunidade de nos sentarmos, no conforto de nossas casas, e assistirmos sua história e lermos sua vida e seu legado – somos privilegiados.
O Brasil que Paulo começou a alfabetizar, há tantas décadas, ainda existe e é grande. E o simples fato de conhecermos sua real história e seu verdadeiro e belíssimo legado já é um ato de absurda força e cidadania. Paulo Freire foi preso e exilado por educar. A ignorância e a indigência política da população brasileira ainda é um projeto em curso.
Assista ao documentário aqui