Ao longe as rezadeiras avistam aquela coluna imponente, que se ergue a poucos metros do Porto de Recife. Uma testemunha silenciosa de épocas remotas as margens do Rio Beberibe. Um monumento erguido sobre cadáveres de escravos, um marco fúnebre que em outros tempos, guiava os navios para a segurança. Um marco de um passado vergonhoso que agora assombra os moradores da cidade de Recife. Um local de maldição cujos espectros se erguem das tumbas para reivindicar justiça aos seus algozes, os terríveis homens cruéis que escravizam e oprimem. As rezadeiras passam de cabeça baixa segurando seus terços, diante desse pilar macabro, e com medo se benzem, pois sabem que os fantasmas da Cruz do Patrão se levantam em busca de vingança.
A Cruz do Patrão
De origem desconhecida, não há como precisar quando exatamente essa obra foi erguida, mas existe um relato que essa cruz estava registrada em um mapa confeccionado no ano de 1759. E essa intrigante obra de alvenaria, que foi construída em estilo dórico, com seis metros de altura e dois metros de diâmetro, e que possui em seu topo, semelhante a peça do bispo do xadrez uma pequena cruz de pedra e que em séculos passados, era usada como referência para os navios que por ali navegavam e que precisavam ancorar, perdeu com o passar dos anos, o seu significado original e se transformou em sinônimo de assombração.
Esse monumento do século 19 virou um local profano, onde almas penadas se encontram, e a explicação estaria no fato de que aos pés dessa cruz eram enterrados negros considerados pagãos, escravos mortos, que faleciam durante as longas, exaustivas e desumanas jornadas dos navios que vinham da África. A areia da maré facilitava os sepultamentos, que eram realizados sem os devidos rituais religiosos. E por conta desse funesto habito dos homens brancos, as horas mortas do desconhecido, se tornaram o momento dos espíritos dos injustiçados levantarem e reivindicarem a sua vingança
No livro Assombrações do Recife Velho, de Gilberto Freyre, ele conta a história dessa obra e sobre a crença e todo misticismo que a envolve. Onde segundo ele, era comum ver fantasmas, e pessoas relatarem que eram perseguidas por espíritos. E em seu livro, ele narra que muitas pessoas que caminharam aos pés da cruz, em meio a escuridão desapareceram sem deixar pistas. A aparição de criaturas diabólicas, segundo ele, também e frequente nesse local.
Existe uma história que no inicio do século passado um estudante foi assassinado naquele local e um soldado foi preso injustamente pelo crime e como não conseguiu provar sua inocência acabou morrendo na cadeia. Tempos depois o verdadeiro culpado apareceu e ao se confessar, disse que praticou o crime a mando de um demônio. E existe um outro relato de um demônio, que se invocado diante da Cruz do Patrão, arrastaria mulheres para o mar para matá-las afogadas
É um local de tanta energia sobrenatural, que essa cruz virou um sítio repleto de aparições espectrais, sons de gemidos e arrastar de correntes, o lugar mais mal-assombrado da cidade, e o mais propicio para realizarem pactos malignos e praticarem despachos.
Patrão e sua Importância Histórica da Cruz
O nome se refere ao termo náutico Patrão da Embarcação, que era a designação do chefe da guarnição de um barco pequeno, geralmente um escaler, que usavam a cruz como referência geográfica para atracar com segurança, sobretudo em nevoeiros.
A Cruz do Patrão se tornou um importante marco da memória da escravidão e da cultura negra no Recife, pois com o passar dos anos, ela foi o lugar escolhido pelos escravos, onde no tempo do Brasil Colônia, se reuniam para realizar rituais de candomblé e catimbós. Rituais que Gilberto Freyre, destaca com muita maestria em seu livro.
Atualmente pesquisas arqueológicas não conseguiram identificar nenhum indício de qualquer cemitério clandestino no entorno da Cruz. Porem os arqueólogos tem dificuldade em explicar a enorme resistência desse monumento secular as investidas da maresia, aos impactos do clima e as constantes reformas no terreno. E mesmo com total descaso das autoridades com o patrimônio histórico, é difícil negar realmente a existência de uma relação do monumento com o sobrenatural.
Conclusão
Se um dia meu caro leitor você sentir o desejo de conhecer essa enigmática obra, recomendo que vá durante o dia, e se quiser se aventurar ainda mais fique ate o por do sol, para ver o crepúsculo pintar o horizonte.
E hoje, a Cruz do Patrão se tornou um local especial, onde os fieis das religiões de matriz africana usam para depositar oferendas aos orixás, e rezar pelas almas dos bravos escravos mortos pelos brancos opressores.
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